miércoles, diciembre 01, 2004

TABACARIA

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

No soy nada.
Nunca seré nada.
No puedo querer ser nada.
Aparte eso, tengo en mí todos los sueños del mundo.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.

Estoy hoy perplejo como quien pensó y encontró y olvidó.

O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.

El mundo es para quien nace para conquistarlo y no para quien sueña que puede conquistarlo, aunque tenga razón.
He soñado más que lo que Napoleón hizo.
He apretado al pecho hipotético más humanidades que Cristo,
he hecho filosofías en secreto que ningún Kant escribió.
Pero soy, y tal vez seré siempre, el de la buhardilla, aunque no viva en ella;
seré siempre el que no nació para eso;
seré siempre sólo el que tenía cualidades;
seré siempre el que esperó que le abriesen la puerta junto a una pared sin puerta,
y cantó la canción del Infinito en un gallinero, y oyó la voz de Dios en un pozo tapado.
¿Creer en mí? No, ni en nada.
Derrámeme la Naturaleza sobre la cabeza ardiente su sol, su lluvia, el viento que me encuentra el cabello,
el resto que venga si viniere, o tuviere que venir, o que no venga.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

(Come chocolates, pequeña;
¡come chocolates!
Mira que no hay más metafísica en el mundo sino chocolates.
Mira que las religiones todas no enseñan más que la confitería.
¡Come, pequeña sucia, come!
¡Pudiera yo comer chocolates con la misma verdad con que los comes!
Pero yo pienso y, al sacar el papel de plata, que es de hojas de estaño lo tiro todo al suelo, como he tirado la vida).

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.

Me conocieron en seguida por quien no era y no lo desmentí, y me perdí.
Cuando quise quitarme la máscara, estaba pegada a la cara.
Cuando me la quité y me vi al espejo, ya había envejecido.

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Siempre una cosa enfrente de la otra,
siempre una cosa tan inútil como la otra,
siempre lo imposible tan estúpido como lo real,
siempre el misterio del fondo tan cierto como el sueño de misterio de la superficie,
siempre esto o siempre otra cosa o ni una cosa ni otra.

E continuo fumando.



Álvaro de Campos, 15-1-1928

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